Quem viveu a mudança do vestibular para o ENEM há de se lembrar que uma das promessas do novo método de o era acabar com o decoreba para criar uma prova que qualquer pessoa inteligente e bem alfabetizada pudesse responder só com base no texto. Eu tenho memória privilegiada nesse quesito porque peguei os anos finais do vestibular como método de o à UFBA e era filha de professora de colégios particulares prestigiosos. Então eu me lembro bem disso. E uma prova que não precisa de decoreba porque pessoas inteligentes resolvem é isto: seleção segundo o QI. No caso brasileiro, seleção negativa de QI.
As federais hoje reservam incríveis 50% das vagas para as cotas. Seja você um branco rico que estudou em escola de elite, ou um preto pobre que estudou numa escola pública ruim, se você tirar uma nota boa no ENEM, você não entra por cotas e preenche as vagas de o livre, ou seja, a outra metade das vagas. Só se você não conseguir uma nota boa, é que vai usar suas cartas junto à burocracia – cartas essas que incluem a raça, mas não se limitam a ela; e que são variáveis de universidade para universidade. Por exemplo, além das quotas estritamente raciais (que são julgadas por tribunais), pode haver quotas para quilombolas, índios de aldeia, deficientes… Criam-se assim sinecuras para atestar, driblando o tribunal racial da universidade, que tal aluno é um quilombola ou índio aldeado, comprando certificados de lideranças.
Seja como for, o Reuni acabou com o vestibular rigoroso que cobrava conhecimentos da história local e substituiu-o por uma prova centralizada que exige QI e conhecimento do politicamente correto… para destinar metade das vagas aos burros. Um curso é feito de professores e alunos. O Reuni se certificou de que a universidade pública deixasse de ser a universidade de elite. Foi sabotagem. Quem ganha com isso? Logicamente, as corporações transnacionais de uniesquinas, que têm dinheiro para comprar políticos. Mas os vilões mais em evidência são os demagogos de esquerda, os docentes apedeutas e os discentes oligofrênicos. São vilões reais, ainda assim, é preciso dar a eles a sua real dimensão.
A direita liberal aponta o funcionalismo como o grande ganhador. Esta é uma meia verdade. A parte do funcionalismo que já tinha emprego antes do Reuni não ganhou nada; é mais fácil ter perdido por causa do congelamento de salários. No entanto, como o Reuni inchou o funcionalismo, podemos dizer que a maior parte desse funcionalismo que está aí hoje de fato ganhou com a destruição da universidade, pois deve o emprego à abertura exagerada de concursos. Um dos meus primeiros textos para esta Gazeta foi justamente para explicar que concurso docente é tudo menos impessoal. Aí entrou um monte de lacrador uspiano nas federais do Brasil todo.
Mas o fato mais importante é que os docentes, enquanto classe, se enfraqueceram com o Reuni. O professor universitário não pode mais ter ares de aristocrata independente; a classe agora é mais numerosa, menos remunerada, menos inteligente e, sobretudo, menos autônoma, porque o ambiente institucional foi tomado pela esquerda lacradora. Os bons professores se autocensuram porque temem a istração e o linchamento dos alunos burros.
O que resta à maioria da população é a dívida estudantil, um problema crônico dos EUA que Haddad vigorosamente importou para cá ao mesmo tempo em que destruía a universidade pública. Há quem creia que isso é coincidência.
O professor que ganhou com o Reuni é um insignificante. Outro insignificante que ganhou foi o rentista pobre, um tipo social novo, criado pelo liberalismo (“imposto negativo”), que não quer saber de trabalhar e vive catando auxílio aqui e ali. É tanta bolsa que os alunos de federal recebem que é constrangedor perceber que as reitorias agora só falam de dinheiro. Ninguém mais quer estudar.
O Reuni começou a ser implementado em 2008; lá se vão quinze anos. De lá para cá, as universidades públicas deixaram de ser cobiçadas pelas famílias de classe média e média alta. Agora, quem pode, paga para os filhos irem estudar em universidades particulares caras de São Paulo. E o pobre dedicado, que já perdeu a escola pública boa na década de 70, perdeu a universidade pública boa nos anos 2010. Não tem mais como ascender por meio da educação pública em seu estado de nascimento.
O que resta à maioria da população é a dívida estudantil, um problema crônico dos EUA que Haddad vigorosamente importou para cá ao mesmo tempo em que destruía a universidade pública. Há quem creia que isso é coincidência. Eu, não. A marcha globalista sobre as universidades é real; essa marcha é ligada ao mercado financeiro (Soros não é exatamente um funcionário público); e ao cabo o que ela conseguiu, em 15 anos, foi fazer uma mídia amestrada comemorar a redução da carga horária do curso universitário mais antigo do Brasil.
De um lado, a esquerda americanizada diz que é racismo esperar que gato, cachorro, papagaio e periquito não entrem nas universidades públicas e combate a ideia de que deva existir uma elite intelectual no país. De outro, vulgata liberal da direita repete que os problemas do Brasil se resumem ao Estado, sem atentar à destruição da vida universitária brasileira concomitante ao ingresso do capital transacional no ensino superior. Meus senhores, sem investimento do Estado em pesquisa, não haveria agronegócio no Brasil! Vocês estão trocando Paolinelli por Lemann e acham bonito. É preciso superar essa terra arrasada e reerguer a ciência nacional.
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