Relatório do investigador norte-americano Michael Garcia, revelado pela Fifa nesta terça-feira (27), traz detalhes sobre as suspeitas de corrupção envolvendo o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira. O documento de 430 páginas mostra que ele usou contratos comerciais para jogos da seleção brasileira em 2010 para camuflar o pagamento de propina que ele teria recebido para apoiar a candidatura do Catar para receber a Copa de 2022.
Garcia, que hoje é juiz num tribunal de apelação de Nova Iorque, chegou à constatação de que havia indício forte de que o país árabe havia comprado os votos para sediar o evento. Seu informe jamais foi tornado público e, diante da decisão da entidade de engavetar suas descobertas, Garcia pediu demissão em 2014. Poucos foram processados e o Catar jamais perdeu o direito de sediar o torneio. Nesta semana, o jornal alemão Bild, da Alemanha, teve o aos documentos, e a partir desta terça começaria a revelar os detalhes do processo. A Fifa, porém, optou por se antecipar e publicar o relatório em sua integralidade.
O ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira é citado 89 vezes na investigação. Em um deles, segundo o site da ESPN, Lord Triesman, uma das principais figuras da candidatura da Inglaterra para receber a Copa de 2018, revelou que “ele encontrou Teixeira durante um evento no Catar em 14 de novembro de 2009 e disse a ele que estava ansioso para visitar o país-natal do senhor Teixeira, Brasil, para discutir a candidatura inglesa para a Copa do Mundo (…) Além disso, Lord Triesman testemunhou, ele disse ao senhor Teixeira ‘que eu estava pessoalmente animado que o presidente (do Brasil) Lula (…) nos deu apoio expresso para a chance de sediar a Copa do Mundo de 2018“, contou o cartola inglês.
Ricardo Teixeira, então, respondeu: “Lula é ninguém. Venha e me diga o que você tem para mim”.
Garcia explica como uma partida entre Brasil e a Argentina, realizada no Catar, pode ter sido usada como forma de camuflar recursos que seriam destinados a pagar Teixeira pelo apoio ao país. O relatório destaca como o Catar destinou US$ 7 milhões (cerca de R$ 23 milhões, na cotação atual) a Teixeira e ao então presidente da Associação Argentina de Futebol (AFA), Julio Gordona. Naquele momento, porém, o cachê da seleção era de apenas US$ 1,1 milhão (R$ 3,6 milhões). Quem pagou pelo jogo foi a GSSG, empresa de construção do Catar que está erguendo as principais obras da Copa do Mundo de 2022. O dinheiro, em seguida, foi enviado à empresa sediada em Zurique, a Swiss Mideast. Um total de US$ 8,6 milhões (R$ 28 milhões) foram dados para a Kentaro organizar o jogo e pagar as duas seleções. A empresa, porém, deu uma comissão de US$ 2 milhões (R$ 6,6 milhões) para uma sociedade de Cingapura, a BCS. O pagamento foi apenas por terem “feito a apresentação” entre as partes envolvidas no jogo.
Mais US$ 2 milhões teriam seguido para a empresa World Eleven, contratada pela Associação de Futebol da Argentina (AFA) para organizar amistosos pelo mundo. O dinheiro, então, seguiria para a entidade esportiva de Buenos Aires, na época presidida por Julio Grondona, um dos que votaram a favor do Catar. No caso do Brasil, a Kentaro destinaria um valor inferior, em US$ 1,1 milhão (R$ 3,6 milhões), mais um pagamento extra de US$ 300 mil (R$ 997 mil). O dinheiro foi enviado para a ISE, nas Ilhas Cayman, que depois reou-o para a CBF. Para aquele amistoso, o Catar gastou apenas com a hospedagem de Teixeira mais de US$ 20 mil (R$ 66 mil), cinco vezes o que o governo gastou com Lionel Messi. O brasileiro teve um tratamento de chefe de estado, ocupando uma suíte presidencial.
Os documentos também revelam como Sandro Rosell, ex-presidente do Barcelona, atuaria como intermediário para os interesses do Catar com as federações sul-americanas, entre elas a CBF.