Para equilibrar as contas, o governo optou por reduzir as despesas discricionárias, aquelas de livre escolha para o gasto público, e que envolvem também os investimentos. “A partir de 2014, fica clara a estratégia de restringir as despesas discricionárias para impedir uma piora mais acentuada do resultado primário da União”, observa o Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de setembro da IFI.

A consequência dessa escolha aparece já na proposta de lei orçamentária (PLOA) para 2020: as despesas discricionárias do governo para o próximo ano somam R$ 89,1 bilhões. Desse montante, só R$ 19 bilhões serão usados para investimentos, o menor patamar dos últimos 15 anos. “A estratégia de promover o ajuste sobre os gastos discricionários tem como limite o comprometimento do funcionamento da máquina pública”, pondera o RAF. O problema aqui é que, se o corte for maior, o governo pode parar.

Para Salto e a IFI, essa concentração de despesas reduzidas no gasto discricionário revela a qualidade ruim do ajuste. A medida mais acertada seria empreender soluções estruturantes, como uma ampla reforma istrativa que permitisse disciplinar a evolução das despesas obrigatórias do país.

“É preciso ter em mente que as despesas públicas são orientadas por alguns vetores, como a política de contratações e reajustes salariais no serviço público; a evolução do salário mínimo, instrumento indexador de alguns programas federais; as regras de vinculação, que determinam percentuais mínimo do orçamento a serem aplicados em determinadas áreas; indexadores definidos em lei, os quais determinam a correção de algumas rubricas da despesa; entre outros”, observa o RAF.

Qualidade do ajuste

Mexer nos gastos obrigatórios implica em uma ampla discussão que envolve temas sensíveis, como funcionalismo público e gasto social, além de ajuste da carga tributária. “Quando a reforma da Previdência, que era quase um tabu, está conseguindo avançar é algo positivo. Um quadro fiscal muito grave faz com que surja essa oportunidade de olhar para o orçamento público”, avalia Salto.

Para ele, as discussões mais urgentes envolvem uma reforma istrativa do estado, que rediscuta carreiras, salários e tipos de cargos e funções, e também os gastos sociais. “Abono-salarial, BPC [Benefício de Prestação Continuada, um tipo de aposentadoria paga a idosos muito pobres] e seguro-desemprego são gastos meritórios, mas precisamos discutir a indexação [com o salário mínimo]”, aponta.

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Quando tudo isso está relacionado às contas públicas, ainda se adicionam mais componentes complexos, como a Emenda Constitucional 95, que fixou o teto de gastos, e dispõem de gatilhos para fazer um ajuste forçado em caso de rompimento. A projeção da IFI é de que o rompimento do teto de gastos deve ocorrer em 2022, podendo ser antecipado em um ano, a depender dos avanços da economia.

Evitar o rompimento seria melhor, mas ele está previsto na Constituição – e estabelece medidas a serem tomadas para colocar as contas em ordem. Esses gatilhos basicamente reduzem gastos com pessoal: se descumprido o teto, não há mais reajuste para o funcionalismo e não poderão ser realizados concursos públicos. Essas medidas são tomadas para evitar a paralisação da máquina pública, que já terá seu funcionamento afetado.

Para Salto, o governo precisa trabalhar para ter um baseline, com projeções mais afinadas para relacionar o gasto de cada despesa com base em cenários macroeconômicos. Isso ajudaria a União a ter mais clareza dos cenários reais, possibilitando escolhas econômicas mais seguras. “Para quem não sabe onde quer chegar, qualquer vento é desfavorável”, lembra o economista.