Já a possibilidade que foi levantada por Paulo Guedes, a de reduzir o tamanho do questionário, é vista com muitas ressalvas pela comunidade acadêmica. “Diminuir o tamanho do questionário, seja o reduzido, seja o completo, significa perder informações preciosas. Não se pode trabalhar com esta hipótese”, afirma Bracarense.
Para Marcelo Marchesini, coordenador do Programa Avançado em Gestão Pública do Insper, a impressão é de que o governo assume que, com um questionário menor, o trabalhador temporário fará mais entrevistas, embora não haja nenhuma comprovação de que isso vai ocorrer. “O recenseador não funciona como um relógio, que cortou um quinto das questões e vai cobrir proporcionalmente mais endereços”, argumenta.
A situação fiscal temerária do governo até explica em partes as razões para enxugar qualquer orçamento possível. O problema de mexer com o Censo é que ele não é uma pesquisa qualquer. “O censo é um instrumento de planejamento fundamental para governos de todos os níveis, não só o federal, mas também estaduais e municipais, que têm grande dificuldade de implementar pesquisas completas como o Censo, e que podem utilizar desse instrumento para implementar suas ações. E empresas e organizações privadas também”, pondera Marchesini.
O professor Paulo Bracarense concorda. “Os resultados do Censo norteiam, com segurança, a formulação das políticas públicas para os próximos dez anos. Os resultados do Censo não são para um governo federal. Eles ajudarão a pelo menos mais três governos que se sucedem em uma década. Mas, mais do que isto, estes resultados são a fonte de realização de políticas públicas estaduais e municipais, e também matéria prima valiosa para toda e qualquer pesquisa que tenha como foco as pessoas e suas relações com os territórios em que vivem. Não é possível fazer de forma correta políticas públicas ou pesquisas nas áreas de Saúde, Educação, Moradia, Transporte, Abastecimento, Assistência Social, Previdência, Trabalho ou qualquer outra área sem as informações trazidas por um recenseamento cuidadoso”, argumenta.
Marchesini, do Insper, dá um exemplo prático da importância da pesquisa. Embora muitas vezes esteja associada apenas a uma ‘contagem’ da população, a função do Censo é muito maior. “Uma prefeitura não consegue dimensionar adequadamente a rede de escolas, postos de saúde, se ela não sabe como as famílias estão crescendo: com mais ou menos filhos, quantas pessoas vivem em cada residência, se a cidade atrai pessoas ou manda pessoas para outras regiões. São informações fundamentais para qualquer ação pública”, comenta.
O Censo de 2020 vai trazer, por exemplo, dados mais apurados sobre o perfil do brasileiro: já é sabido que a taxa de fertilidade vem caindo e que a expectativa de vida está aumentando. “A pirâmide etária diminuiu fortemente a sua base nas últimas décadas e aumentou a sua altura. Precisamos ter dados precisos e reais que só o Censo pode fornecer”, explica Bracarense.
As metodologias do Censo são complexas, o que explica em partes seu custo elevado. Mas também não dá para comparar com os modelos adotados em outros países sem levar em conta as realidades diferentes. O professor Paulo Bracarense lembra que, no Brasil, temos problemas em relação à qualidade dos registros civis, o que aumenta a importância do Censo.
Ele também lembra de erros que foram cometidos no Brasil e não podem ser repetidos, como o adiamento do Censo de 1990 para 1991, o que nos traz prejuízos metodológicos até hoje. “A recomendação é de que os Censos sejam feitos de dez em dez anos. E é assim que se faz no mundo todo. No nosso caso, como houve uma quebra no tamanho dos intervalos, os modelos matemáticos de previsão ficam muito mais complexos. O que ocorreu naquela época é que o intervalo de 1980 para 1991 foi de 11 anos e depois o intervalo de 1991 a 2000 foi de nove anos. Faltou na época maior sensibilidade dos governantes para compreender a importância deste levantamento. Foi um prejuízo irreparável que não pode se repetir”, aponta.