É por isso que, buscando salvaguardar o contraditório e a ampla defesa, faz sentido que o Supremo adote, como uma precaução que impeça esse tipo de cerceamento de defesa, uma norma que permita a réus não delatores fazer suas alegações finais apenas depois daquelas oferecidas pelos réus que fizeram a colaboração premiada. Aqui, não se trata de legislar indevidamente, mas de proteger garantias constitucionais. Que essa ordem seja seguida a partir de agora para os processos que estão em curso, ou para futuros julgamentos, é muito razoável.

Dito isso, qual seria o procedimento a adotar para julgamentos já encerrados, como foi o caso do recurso de Bendine? Foi aqui que os ministros se equivocaram. Os magistrados precisariam verificar se, nas alegações finais dos delatores, efetivamente houve a inserção de novas informações e evidências que incriminassem outro dos réus, e se esses elementos foram usados pelo juiz na hora de proferir sua sentença. Em caso positivo, seria necessário, de fato, refazer o julgamento a partir das alegações finais; mas, na ausência de tais “novidades”, não haveria motivo para qualquer nulidade. No entanto, não foi isso o que a Segunda Turma do STF fez, preferindo julgar a questão de forma abstrata.

Ao anular o julgamento de Bendine sem ter feito a avaliação concreta do caso, decidindo pela nulidade apenas porque não houve o prazo adicional para suas alegações finais, sem verificar se ele realmente foi prejudicado pela decisão de Moro, a Segunda Turma estabeleceu uma retroatividade puramente formalista na norma que acabou de estabelecer. Ela é formalista porque se apega apenas à questão dos prazos e desconsidera totalmente a existência de dano concreto ao réu. Ou seja, todos os processos já julgados onde esta nova norma não foi adotada poderão ser anulados, mesmo naqueles casos em que não tenha havido prejuízo real ao acusado não delator. Afinal, bastará à defesa alegar apenas que seus clientes não tiveram o prazo adicional para responder a eventuais novas acusações feitas pelos réus delatores – ainda que não tenha surgido absolutamente nada de novo que merecesse defesa.

A decisão da Segunda Turma se apega apenas à questão dos prazos e desconsidera totalmente a existência de dano concreto ao réu

Cármen Lúcia estava certa ao afirmar, durante o julgamento, que esta é uma situação relativamente nova – ainda que a lei das delações premiadas seja de 2013 e inúmeros processos tenham sido conduzidos de acordo com o P sem que se cogitasse a possibilidade de cerceamento de defesa. Portanto, era necessário dar uma resposta, e o Supremo, como guardião das garantias constitucionais que incluem o contraditório e a ampla defesa, poderia dá-la, mas a Segunda Turma errou grosseiramente na dose quando, em vez de apenas estabelecer uma norma para ser seguida daqui em diante, criou jurisprudência que embasa nulidades mesmo onde não houve prejuízo algum aos réus.

No caso de Bendine e de vários outros condenados na Lava Jato cujos julgamentos podem ser refeitos, de pouco adianta afirmar que isso não significa a inocência dos réus, que o conjunto probatório contra eles continua sólido o suficiente para embasar a repetição das condenações. O retrabalho que a Justiça terá na primeira e segunda instâncias é o de menos. O verdadeiro, o enorme problema é a insegurança jurídica criada pelos ministros, porque estão prestes a determinar a aplicação deste novo procedimento de modo retroativo, à medida que os recursos forem chegando à corte, anulando julgamentos sem nem olhar para as peculiaridades de cada um deles. O STF deveria ser a instância pacificadora e estabilizadora da sociedade, mas são decisões como esta que fazem da corte, hoje, um dos principais fatores de instabilidade no país.

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