Não nos parece que seja o caso de considerar que a possibilidade de acordo individual contraria a Constituição, mas ainda assim deveria ser permitida neste momento específico devido às circunstâncias extraordinárias que o país está ando. Este é um caminho extremamente arriscado, pois equivaleria a dizer que, em casos extremos, mesmo as garantias constitucionais mais básicas podem ser relativizadas. As alternativas seriam considerar os trechos inconstitucionais e restabelecer a necessidade de aval do sindicato em todos os casos, com todas as consequências econômicas advindas deste entendimento, ou defender sua constitucionalidade, mostrando como a MP 936 pode ser conciliada com o artigo 7.º da Carta Magna – e é esta a opção que o Supremo deveria seguir.
E, para isso, é preciso entender o que moveu o legislador na redação do artigo 7.º e lê-lo dentro da perspectiva do restante da Constituição. Nem a irredutibilidade do salário em si, nem a imprescindibilidade dos sindicatos são os valores supremos a proteger aqui, cedendo prioridade à vida e à dignidade humana, que nestes tempos de desordem econômica também se defende por meio da manutenção do emprego. Foi esta a linha de raciocínio empregada pelo ministro Marco Aurélio Mello quando, em 26 de março, manteve a constitucionalidade do trecho (posteriormente revogado por iniciativa presidencial) da MP 927 que também dispensava a mediação sindical em alguns casos de suspensão de contrato de trabalho ou redução de jornada e salário. “A liberdade do prestador dos serviços, especialmente em época de crise, quando a fonte do próprio sustento sofre risco, há de ser preservada, desde que não implique, como consta na cláusula final do artigo, a colocação em segundo plano de garantia constitucional”, escreveu o ministro, acrescentando que a homologação por meio do sindicato é justamente a formalização a vontade do trabalhador.
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Além disso, todo o processo previsto na MP 936 não trata apenas de redução de salário ou suspensão do contrato, mas também de redução de jornada proporcional e, talvez o mais importante, de mecanismos de compensação pelos quais o governo cobrirá ao menos parte da renda perdida pelo trabalhador durante a vigência do acordo. Quanto menor o salário, inclusive, maior a parcela da renda que será coberta pelos recursos públicos, e isso explica o acréscimo dos trabalhadores de menor renda no grupo dos que precisarão de maior agilidade caso seja necessária a suspensão do contrato – quanto aos detentores de diploma universitário com renda acima de R$ 12 mil, a própria reforma trabalhista já os trata como partes capazes de negociar em posição mais igualitária em relação ao empregador.
Não se trata, aqui, de menosprezar o papel dos sindicatos – que, aliás, seguem necessários para negociações que envolvam grupos de funcionários, bem como para todos os acordos de suspensão de contrato de trabalhadores com renda entre R$ 3 mil e R$ 12 mil –, mas de entender que o momento requer respostas rápidas. Dos sindicatos, aliás, se espera o bom senso de compreender a situação de inúmeras empresas que não têm como ar períodos longos sem receitas e agir em defesa da manutenção dos empregos; os acordos que vierem a ser assinados com sua mediação já estarão juridicamente garantidos, independentemente do desfecho dos questionamentos feitos no Supremo sobre a MP 936. Mas a possibilidade do entendimento individual não pode ser descartada, e cabe aos ministros demonstrar que também estão empenhados no esforço de atenuar os efeitos drásticos da pandemia no Brasil.