A resolução dos crimes é apenas o primeiro dos gargalos. Se menos de 10% dos assassinos são descobertos no Brasil, menor ainda é a proporção dos que efetivamente vão parar atrás das grades – e mesmo na América Latina a média de condenações por homicídio é de 24 para cada 100 casos, segundo relatório de 2016 da Organização das Nações Unidas. Ora, se a imensa maioria dos homicidas, estupradores e assaltantes – para não falar de outros criminosos que são ameaças à sociedade, como traficantes de drogas – continua nas ruas, o Brasil não é um país que “prende demais”: é um país que prende muito pouco.

A segunda parte do mito do “encarceramento em massa” afirma que, além de prender demais – o que, como acabamos de ver, não é verdade –, o Brasil “prende mal”, no sentido de mandar para a cadeia pessoas cujos crimes não mereceriam a prisão. O problema, aqui, reside na lei penal, e não nos mecanismos de investigação ou julgamento. Em muitos casos que envolvem atos de menor periculosidade, o Judiciário tem procurado aplicar penas alternativas, mas há um limite para este tipo de procedimento; apenas uma reforma abrangente do Código Penal poderia resolver definitivamente a questão, e a dificuldade está em realizar uma mudança coerente: a última grande proposta de reforma do Código Penal era tão absurda que felizmente terminou engavetada, pois não respeitava nenhuma proporcionalidade entre crimes, por exemplo dando pena mais grave ao abandono de animais que à omissão de socorro em casos envolvendo crianças, inválidos ou feridos.

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Este mesmo discurso, segundo o qual no Brasil “prende-se mal”, muitas vezes também parte de premissas equivocadas sobre a própria função da pena de prisão. A ressocialização do apenado é, de fato, um aspecto importante, que não pode ser negligenciado e no qual o Brasil vem falhando miseravelmente, mas não é o único. A pena de prisão também existe para a proteção da sociedade, retirando o criminoso do convívio social e evitando que ele cometa novos crimes; além disso, faz-se justiça quando um criminoso perde sua liberdade como punição por seus atos – é o chamado “caráter retributivo” da pena. A chave está sempre na justa proporção entre a gravidade do crime e a pena aplicada.

Tanta mitologia a respeito do encarceramento no Brasil não significa que não haja problemas reais – e eles são muitos. Um terço de presos aguardando julgamento continua a ser um número alto, ainda que abaixo de nações desenvolvidas, como Moro fez questão de lembrar. Além disso, o déficit de vagas nas prisões leva a misturas explosivas, colocando lado a lado presos por crimes menos perigosos e condenados perigosos. São situações que só podem ser resolvidas com a construção de novas unidades e com um Judiciário mais ágil – Moro fez sua parte quando enviou ao Congresso um pacote anticrime com várias medidas que buscavam acelerar o processo penal, mas os parlamentares alteraram significativamente o texto, que agora corre o risco de engessar ainda mais os processos.

“O único meio de diminuir o número de presos é diminuindo o número de crimes (...) não se resolve a criminalidade abrindo as portas das cadeias”, afirmou o ministro em sua sequência de tweets. Seria uma afirmação óbvia em qualquer país desenvolvido, mas no Brasil é algo quase revolucionário após anos de prevalência de um discurso benevolente para com o crime e seus autores. Esta clareza de ideias, a capacidade de identificar os problemas reais da estrutura prisional e a disposição de enfrentá-los são requisitos necessários para mudar a realidade das prisões brasileiras.