Dentre os inúmeros problemas do Brasil está a baixa capacidade de investimento estatal, pressionada negativamente pelo tripé composto por privilégios públicos e privados, pelo desperdício decorrente da má gestão, e pelas perdas causadas pela corrupção, em sentido amplo. Se levarmos as consequências a sério, enquanto a capacidade de investimento do Estado estiver achatada, será improvável a melhoria das condições de vida da população.

Juntamente com seu efeito catártico, o sucesso inicial da Operação Lava Jato parecia auxiliar o país a retomar uma parte relevante de sua capacidade de investimento. Além dos recursos efetivamente recuperados, o aumento da probabilidade de identificação e de punição dos culpados tendia a condicionar agentes públicos e privados a absterem-se de lesar o erário. Não era apenas um empurrãozinho (nudge), mas um verdadeiro tranco (shove) que desestimulava as pessoas a assumirem esse risco.

Diante desses efeitos catárticos e econômicos tão favoráveis, é compreensível a decepção com a atual queda em desgraça da Lava Jato. A preocupação com a quebra de procedimentos previstos legalmente e com a imparcialidade dos julgadores não deve ser colocada em segundo plano. Advertiu Nietzsche que quem caça monstros deve se acautelar para não se tornar ele mesmo um monstro. O risco de estigmatizar uma pessoa como inimigo é que se acaba por negar-lhe as garantias mínimas da própria humanidade em nome da qual se luta (e esse risco existe, qualquer que seja a denominação da facção política a que se pertença).

De todo modo, parte da sociedade tem outro tipo de preocupação com o futuro da Lava Jato, em dois sentidos diferentes. Um desses sentidos é a preocupação com as investigações e os julgamentos concretos que redundaram na condenação de uma série de pessoas. Essas investigações e condenações serão anuladas? Os valores recuperados serão devolvidos aos até então condenados? O Estado terá de ressarcir por danos materiais e morais essas pessoas por tais condenações? Haverá tempo e disposição para investigar esses mesmos fatos novamente? Qualquer resposta não aria de vaticínio. O número de circunstâncias e de condições determinantes para firmar o rumo da Lava Jato é vasto e supera em muito nossa capacidade de identificá-lo (complexidade e contingência). Ademais, ainda remanesce uma série de movimentos possíveis que poderiam alterar o rumo do debate jurídico sobre a questão. A Análise Econômica do Direito talvez não seja a ferramenta mais adequada para tentar entender esse debate jurídico.

Mas há outro sentido na preocupação com o futuro da Lava Jato que merece ser discutido, com base no ferramental da Análise Econômica do Direito. A sociedade também dá à Lava Jato um sentido maior, conotativo, relacionado à inclinação e à eficiência do Estado brasileiro para combater a corrupção. Falar sobre o futuro da Lava Jato também pode significar debater se o país encontrou um ponto de inflexão, isto é, se ele vai deixar de combater a corrupção. Para nós, defensores intransigentes do papel que o STF tem como instituição republicana, esse debate é cardeal. Via imprensa, alguns observadores perguntam-se se o STF está rompendo com os princípios ou com as práticas adas que dariam sentido à Constituição, não obstante, diante da ambiguidade e da vagueza dos textos legais, suas decisões sejam justificáveis. Esse tipo de movimento, muito parecida com a ideia de jogo duro constitucional (constitutional hardball), desenvolvida nos Estados Unidos, poderia erodir a confiança na corte e no próprio sistema jurídico, bem como incentivar condutas que tenderão a diminuir ainda mais a capacidade de o país cumprir com suas obrigações perante a população.

Essa dúvida não deve existir, pois o STF não fala somente a juristas, advogados nem aos versados em juridiquês. A legitimidade do STF deriva da confiança que a sociedade como um todo tem na promessa de que a corte seguirá os procedimentos constitucionais e legais adequados, o que implica apego às funções das normas jurídicas, muito além da respectiva literalidade.

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Não basta que as decisões do STF sejam juridicamente defensáveis. Elas devem ser objetivas, postas em linguagem ível e levarem as consequências socioeconômicas a sério. E a análise dessas consequências pressupõe a identificação de tantos quanto forem os cenários em paralelo possíveis decorrentes de suas decisões.

O futuro do adequado combate à corrupção, mantida a eficiência, porém sem renúncia das garantias fundamentais do indivíduo que é investigado e acusado pelo Estado, pressupõe que a mais alta corte da nação demonstre para o cidadão comum que não romperá com os valores, com os princípios nem com as práticas que dão sentido à Constituição e à legislação de regência.

Thiago B. Sorrentino é professor de Direito do Estado do Ibmec Brasília.