Deitadas as premissas acima, é possível concluir que, regra geral, não há qualquer nulidade ou lesão a garantias constitucionais nos processos penais em curso que tenham exigido apresentação concomitante de memoriais entre réus, delatores ou não. Como inexiste previsão normativa expressa sobre o benefício de ordem a delatores em razões finais, impossível, em tese, a configuração de prévia e chapada ilegalidade ou abuso de poder em situações processuais correntes que tenham assegurado a igualdade temporal de manifestação dos réus. No entanto, exceções podem ocorrer.
Ilustrativamente, lança-se a hipótese na qual um dos delatores, em razões finais, tira um coelho da cartola, juntando documento ou inovação argumentativa que, em ato sentencial imediato e sem contraditório, vem agravar a situação sancionatória de outro réu. Nesse caso, por exemplo, haveria, sim, lesão à ampla defesa e devido processo legal, configurando condenação inconstitucional aquela que, sumariamente, no entardecer processual, agrava a pena de réu sem sua prévia manifestação sobre o fato ou circunstância que lhe é juridicamente prejudicial.
Consequentemente, eventual benefício de ordem em favor de delatores, para fins de razões finais ou memoriais, será, quando ocorrer, um fenômeno processual dinâmico a ser materializado, excepcionalmente, à luz das bases fáticas e jurídicas de cada caso concreto, impondo ao magistrado competente o expresso dever de fundamentação dos motivos que justificam a quebra de igualdade e concomitância de manifestação do polo ivo criminal.
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Por tudo, a decisão do STF inaugura uma nova fase de desenvolvimento do jovem instituto da colaboração premiada no Brasil. Aqui, por mais relevante que seja o inegociável interesse público no firme, enérgico e decidido combate à corrupção, é importante termos a serenidade necessária ao debate sério e profundo de assuntos jurídicos sensíveis e intimamente relacionados à efetiva proteção de garantias constitucionais fundamentais. Afinal, não se combate o crime violando a lei.
Felizmente, há o surgir de uma cidadania pulsante que não mais assiste calada aos desmandos impunes dos donos do poder. Em época de ânimos políticos tão acesos, é natural que o sentimento de justiça aflore com o calor de tons subjetivos. Ao Judiciário, por sua independência e imparcialidade, cabe enfrentar as candentes questões polêmicas com a simples tecnicidade da lei, fazendo de suas decisões monumentos públicos de uma ordem juridicamente justa. No fim, antes de absolvições ou condenações, a civilização apenas exige que a legalidade seja respeitada e aplicada a todos, poderosos ou não.
Em sua rota evolutiva, a democracia moderna exige a máxima realização prática do ideal de justiça, repudiando manobras hermenêuticas espúrias em imorais juízos de empreitada. Que o Supremo saiba honrar seu alto papel no equilíbrio republicano, protegendo o tribunal de investidas sorrateiras ou subversivas que, sob a fútil roupagem de proteção jurídica, acabam por denegrir a imagem da corte, banalizando a nobre e invulgar jurisdição constitucional.
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.