A decisão do STF de criar o crime de homotransfobia tem, como todas as medidas autoritárias travestidas de bondade, um efeito colateral extremamente danoso para a saúde da democracia, essa dama que costumava dormir em sedosos lençóis de liberdade: ela simplesmente torna invisível, quando não marginaliza ou lega ao calabouço (físico ou moral), qualquer debate sobre essa característica (ou conjunto de características) comum que levou milhões às ruas de São Paulo.

Ela também inviabiliza qualquer forma de humor que use estereótipos associados a essas pessoas que têm orgulho de si mesmas, mas não, curiosamente, dos estereótipos associados a elas. Porque parte dessas pessoas considera os estereótipos ofensivos, capazes de ferir a dignidade, sufocar a autoestima, estrangular a honra dos atingidos. Palavras ferem, dizem – e há quem acredite. Pior: há quem as criminalize. Só espero que o humor autodepreciativo ainda esteja protegido pelo desgastado Artigo 5º da Constituição, porque sou uma drama queen – e ninguém vai tirar isso de mim.

“Quem não deve não teme”, logo vai aparecer alguém me dizendo. Mas, neste caso, como mensurar a dívida e, consequentemente, o temor pela punição injusta? Aliás, no caso da homotransfobia aplicada à expressão, o que de tangível a justiça põe nos pratos daquela balança? Quanto pesa a palavra e quanto pesa a honra ferida? Palavras têm peso? Honra tem peso? Como condenar um homem que, por exemplo, só quis fazer rir e sem querer exagerou nas purpurinas de suas piadas?

E mais importante: como não temer uma injustiça quando se está caminhando às cegas pelo subjetivíssimo pântano do bom-senso?

Hoje houve uma parada em São Paulo. Parada do Orgulho LGBTI+. Ela levou milhões às ruas. Aconteceu isso e aquilo. E mais não digo. Não porque não queira, mas porque não posso. Porque bastam uma palavrinha a mais aqui e uma leitura amarga ali para eu ter colada em mim a pecha de um criminoso, um assassino do orgulho alheio – orgulho que, veja bem, nem a fragilidade eu posso apontar.

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