Paralelamente, os periódicos que não cobram para publicar estão cada vez mais exigentes. A quantidade de "nãos" que se recebe de cara é acachapante. A maioria dos pesquisadores acaba adotando a estratégia de enviar inicialmente para um periódico bom, manejar a rejeição, aceitar as críticas, reformular o artigo e enviá-lo para outra revista. Por vezes, é necessário fazer isso umas duas ou três vezes até conseguir emplacar. O processo de publicar um paper pode levar até dois anos, entre as idas e vindas.
Uma prova adicional de como o sarrafo aumentou advém da leitura da literatura mais antiga. Outro dia eu peguei um paper de 2004 e fiquei abismado de como é que aquilo tinha sido publicado em uma revista importante. Hoje em dia não seria mais aceito. A menos que o autor principal fosse alguém muito importante. Mas alguém importante de fato não coloca seu nome em porcaria.
O Brasil investiu muito em pós-graduação e pesquisa nas últimas décadas. A choradeira é sempre grande. Mas, no longo prazo, o investimento foi grande. Entretanto, os investimentos sofrem altos e baixos. Agora estamos em uma fase de vacas magras.
Outro dia ei vergonha com um colega da Inglaterra: nos últimos dois anos não tive nenhum projeto de pesquisa financiado. O número de publicações por autores brasileiros aumentou incrivelmente. Mas, como aponta o prof. Marcelo Hermes-Lima, a nossa publicação científica é irrelevante. É só para fazer número. O impacto da ciência brasileira é baixíssimo.
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Os motivos para isso são vários. Já mencionei a falta de financiamento, que é sempre escasso. O maior elogio que recebi na vida foi de um colega alemão com quem trabalhei por um tempo. Em alguns poucos anos, nós conseguimos publicar oito papers juntos. O cara me falou assim: "É impressionante o que vocês conseguiram com tão poucos recursos". De fato, foi impressionante.
Publicar custa dinheiro. Mesmo quando a revista não cobra. Isso foi uma das coisas que aprendi no doutorado. Naquela época, o prof. Pöppel estava concluindo um grande projeto de pesquisa, que havia recebido financiamento de DM (Marco Alemão) 1.000.000. Uma fortuna na época. Na festa de encerramento foi feito um simpósio, apresentando os resultados. Na sua fala, o prof. Pöppel calculou quanto havia custado cada paper. Não me lembro bem dos valores. Mas era algo em torno de DM 50.000. Ou seja, publicar custa caro. E quem financia, na maioria das vezes, é a "Viúva".
Além da escassez de recursos, temos também as nossas próprias insuficiências. A nossa formação intelectual e científica é deficiente. A maioria dos nossos alunos leva um choque quando vai para o exterior. Nós ainda vivemos na roça e não temos noção do que se a na cidade. Temos muito pouca inserção internacional. Por exemplo, na maioria dos cursos de graduação em Psicologia e Pedagogia predominam autores do século ado - os quais são, justamente, clássicos. Os alunos não têm o à literatura mais recente e não conseguem acompanhar as inovações teóricas e metodológicas.
Um outro elogio muito gostoso que recebi foi de uma aluna, hoje professora universitária e pesquisadora, a qual tinha ido fazer intercâmbio na Inglaterra durante a graduação. Essa moça me mandou um e-mail dizendo: "Estou fazendo disciplinas de neuropsicologia cognitiva e psicologia evolucionária. Agora entendo a importância das coisas que você fala".
O Brasil é um país-continente. Vivemos isolados. Temos poucas oportunidades de praticar a língua inglesa, de conviver com pessoas e pesquisadores de outros países. É óbvio que houve avanços. O maior de todos foi o Periódicos.CAPES. Hoje podemos fazer revisões sistemáticas da literatura! Houve também aquele programa há alguns anos que mandou um monte de alunos de graduação para o exterior sem critério algum. No meu caso, isso não se aplicou. Uma meia dúzia de alunos meus foi para o exterior e aproveitou muito. O problema que algumas dessas pessoas retornaram para o exterior e não vão mais voltar. Não deixa de ter seu lado positivo: perde-se um pesquisador brasileiro, ganha-se um colaborador internacional.
O próprio sucesso da pós-graduação no Brasil acaba impondo empecilhos ao aumento da nossa relevância científica. As pós-graduações em senso estrito se popularizaram muito. É crescente a demanda por mestrado e doutorado entre profissionais inseridos no mercado. Isso é ótimo. O mestrado e o doutorado permitem a esses profissionais informar sua prática profissional por evidências. Mas como, um grande contingente de alunos que cursa mestrado e doutorado não tem vocação para a pesquisa, isso pouco contribui para aumentar a relevância científica brasileira.
Como um grande contingente de alunos de pós-graduação não tem noção das complexidades envolvidas na pesquisa e do que se a lá fora, sua agenda é distinta da agenda da ciência. A agenda do aluno consiste de dois anos para terminar o mestrado e quatro anos para terminar o doutorado. Sem pressa para tocar a pesquisa. Por vezes surge uma ideia interessante, uma hipótese que poderia ser facilmente testada em pouco tempo - apesar da escassez de recursos tecnológicos e financeiros. O aluno parece não compreender a urgência em testar a hipótese.
O tempo vai ando e, em alguns meses, alguém publica o teste daquela mesma hipótese. A qual deixou de ser original. Quando, finalmente, o artigo brasileiro sair após dois ou quatro anos será mais um exemplo de pesquisa tipo "me too". "Ah, os gringos fizeram, então eu faço também". Sem contar a produtividade. Um post-doc na Europa consegue coletar em quatro meses os dados que nós levamos um ano para coletar, contando com a boa vontade de um monte de alunos voluntários de iniciação científica.
Face a essas complexidades, o único remédio é a dedicação, o esforço. Trabalhar muito é a única coisa que podemos fazer para compensar nossas insuficiências. Nesse sentido, é muito confortador receber as críticas e os elogios que muitos revisores fazem aos nossos trabalhos, como por exemplo: "Este é um manuscrito significativamente melhorado. Obrigado por considerar todos os meus comentários. É louvável a quantidade de trabalho e esforço que você dedicou a melhorar este manuscrito". Esse comentário foi feito por ocasião da segunda revisão de um manuscrit [aqui seria manuscrito?], em vias de ser (mas ainda não) aceito. As críticas também são bem-vindas. As críticas doem, mas são aulas gratuitas, ministradas por um revisor anônimo que generosamente se dispõe a doar seu tempo para melhorar o trabalho alheio.
A pesquisa científica é um processo muito mais complexo do que uma observação externa possa supor. Ao mesmo tempo em que os critérios de exigência se elevam progressivamente, a pesquisa se presta a manipulações políticas e interesses econômicos escusos, como se testemunha atualmente com Covid-19. A pandemia colocou a ciência no limite em vários sentidos. Nos ajudou a reconhecer os limites entre o conhecido e o desconhecido. Mas ajudou também a reconhecer a vulnerabilidade da ciência à manipulação e suas limitações.
As limitações do sistema brasileiro de universidades públicas foram escancaradas. Com todos seus defeitos, as universidades públicas brasileiras representam aquilo de melhor que o Brasil consegue fazer. Colegas estrangeiros ficam abismados quando lhes informamos que o país tem 70 universidades federais. Uma vez levei um colega alemão para conhecer o Hospital de Clínicas. Terminada a visita, ele me falou assim: "Quer dizer que seu ficar doente, posso vir aqui e ser atendido de graça">