Sempre que o assunto vem à tona, algumas afirmações são muito repetidas. Por exemplo: as empresas brasileiras são avessas à inovação e esperam demais que o governo corra os riscos do investimento. Ou então: as universidades, principalmente as públicas, vivem de costas para o mercado e não buscam parcerias com o setor produtivo. Será? 1m2e2m
“Ouvimos muitas besteiras sobre esse assunto, frases que as pessoas repetem há vinte anos”, afirma o físico Newton Frateschi, diretor-executivo da Agência de Inovação da Universidade Estadual de Campinas (INOVA - UNICAMP). “A realidade mudou. Muitas universidades brasileiras buscam interagir com o mercado já há bastante tempo”.
João Irineu de Resende Miranda, professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), concorda. “Não se pode dizer que as universidades e as empresas estejam dissociadas na busca de inovação”, afirma ele, que dirigiu a Agência de Inovação e Propriedade Intelectual da instituição entre 2011 e 2015 e acompanhou a implementação de projetos em parceria com as indústrias siderúrgica, aeroespacial e química, em especial. “Se consultarmos os portais da transparência das universidades, veremos que é bastante comum convênios entre universidades e empresas na área de pesquisa, desenvolvimento e inovação, assim como o depósito de patentes com vistas a novos produtos”.
Leia também: Nos países nórdicos, ensino superior é gratuito e alunos ganham para estudar
Essa nem é uma busca nova, diz o professor. “O que ocorre é que, muitas vezes, tais parcerias não são divulgadas por uma questão estratégica das empresas, que não revelam seus projetos antes que eles estejam concluídos. Existem ainda casos em que a empresa não evidencia a vantagem estratégica que é estar associada a uma universidade e divulga o produto, mas não a parceria da qual ele foi resultado”.
O cenário atual é marcado pela existência de alguns centros de excelência, muitas universidades dando os primeiros os no empreendedorismo e um ambiente empresarial em que grandes corporações estabelecem parcerias longas e produtivas com a academia – enquanto que as médias e pequenas ainda patinam para dar os primeiros os, a não ser que tenham sido fundadas por alunos e pesquisadores universitários.
“Ao observar os dados dos relatórios Formulário para Informações sobre a Política de Propriedade Intelectual das Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação do Brasil (FORMICT), podemos afirmar que estamos fechando mais contratos com diferentes organizações com o objetivo de disponibilizar o conhecimento que é gerado na universidade para a sociedade”, afirma Biancca Scarpeline de Castro, professora do curso de graduação em istração Pública e do Mestrado Acadêmico em istração da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
“Das Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) que responderam ao FORMICT, 34 instituições informaram possuir contratos em 2011, enquanto 58 instituições informaram possuir contratos em 2016 (sendo 42 instituições públicas e 16 instituições privadas). Ou seja, tivemos avanços nos contratos estabelecidos entre universidades e empresas, mas o número de ICTs que não possuem contratos para transferência ou licenciamento para outorga de direito de uso ou de exploração de criação é ainda muito alto (220 instituições em 2016)”.
Esse resultado, afirma a professora, “é em parte consequência do crescimento de estruturas de gerenciam a propriedade intelectual dentro das ICTs (fator positivo), mas também do baixo impulso das empresas brasileiras para a realização de parcerias com as Universidades e demais instituições de pesquisa (fator negativo)”.
O caso da Unicamp é exemplar. Só em 2018, a universidade assinou 75 convênios de pesquisa e desenvolvimento com empresas. Somados, eles representam R$ 134 milhões investidos pela indústria em pesquisas desenvolvidas na universidade. Ao registrar 71 pedidos de patentes no ano ado, a instituição alcançou 1027 famílias de patentes, principalmente nos setores de agroindústria, tecnologia da informação, química, meio ambiente, saúde e bem-estar. “Boa parte dos nossos empreendedores são doutores, que seguiram carreira acadêmica e nós ajudamos a fazer a transição para o mercado”, diz Newton Frateschi.
A Unicamp atua junto a 604 diferentes empresas, que, somadas, alcançam faturamento de mais R$ 4,8 bilhões e geram mais de 30 mil empregos. Destas empresas, 85% têm como sócio um aluno ou ex-aluno da universidade – um fato observado também no Parque Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), outro centro de excelência em termos de inovação voltada para o mercado.
“Nosso empreendedor típico tem o DNA da UFRJ, é alguém que foi formado nos nossos laboratórios”, afirma Lucimar Dantas, gerente de articulações do Parque e gerente da Incubadora de Empresas da COPPE, o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, que desde 1963 atua desenvolvendo projetos junto ao mercado e atuou em algumas das principais inovações geradas em parceria com a Petrobras, incluindo novas tecnologias que viabilizaram a extração de petróleo na camada pré-sal.
“Temos quase 70 empresas, incluindo 16 de grande porte, que montaram seus centros de pesquisa e desenvolvimento dentro da instituição”, informa Lucimar Dantas. “Boa parte das empresas pequenas e médias instaladas no centro são startups que cresceram”.
Algumas instituições, como a Unicamp, a UFRJ e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), se destacam pela infraestrutura aplicada à inovação e pelo grau de parceria com o mundo empresarial. Para as demais instituições, a Lei de Inovação, de 2004, atualizada pelo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, determina que todas as universidades públicas brasileiras formem seus próprios núcleos de inovação tecnológica.
Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), a maior dificuldade encontrada pelo centro de inovação é a continuidade. “Um dos grandes problemas é a rotatividade dentro dos grupos de inovação tecnológica. Quando muda o reitor muda toda a gestão, inclusive dos núcleos de inovação”, afirma Alexandre Moraes, coordenador de gestão tecnológica do Centro de Inovação da instituição. “Se a instituição corta o pessoal, muitos núcleos acabam se transformando em simples escritórios de patente, porque falta gente”, ele afirma. “Quando muda o reitor, sempre ficarmos esperando alguém ter a mesma ideia de sempre, fazer um café da manhã com as empresas”.
Newton Frateschi, da Unicamp, lembra que as universidades cumprem uma missão estratégica: formar lideranças e talentos que, depois, podem formas suas próprias empresas e atuar na indústria. “O principal mecanismo de transferência de tecnologia é a migração de talentos para as universidades. As universidades formam líderes, que seguem para a indústria”, ele afirma. “Outras formas de contato são as parcerias em geral, desde licenciamentos até o uso de laboratórios compartilhados entre empresas e universidades”.
Para Frateschi, o fato de que poucas empresas de pequeno e médio porte procuram a universidade, a não ser que seus fundadores tenham sido alunos e pesquisadores acadêmicos, é um indício de que ainda falta, do ponto de vista do mercado, uma cultura de empreendedorismo e inovação. “A indústria mantém uma relação estranha entre público e privado. No Brasil as empresas em geral querem que o governo assuma o risco de inovar. Isso precisa ser melhorado”.
Leia também: Dinheiro público financia as pesquisas das melhores universidades do mundo
Alexandre Moraes, da UFPR, concorda, com a ressalva de que muitas vezes as pequenas e médias empresas precisam lidar o tempo todo com as demandas no curto prazo. “Muitas vezes, para esse empresário, inovação é sobreviver”.
Na avaliação de João Irineu de Resende Miranda, “para a maioria das empresas, falta a implantação de boas práticas na área da gestão de projetos de inovação. Inovação é um processo e como todo processo possui várias etapas, as quais devem ser gerenciadas pela empresa. As parcerias que dão certo geralmente são aquelas em que o empresário possui um profissional que cuida dos aspectos jurídicos e istrativos do empreendimento”.
Lucimar Dantas, da UFRJ, explica que, quando uma empresa de fora do ambiente acadêmico procura a universidade, as dificuldades de adaptação são maiores. “Procuramos atender da melhor forma. Buscamos descobrir qual é o desafio tecnológico da empresa e vamos buscar na universidade quem pode ajudar com soluções. Muitas vezes precisamos fazer a ponte porque o empresário não sabe quem procurar, nem fala a mesma língua que os pesquisadores”, ela conta. “Não é simples, mas o fato de esse empresário ter procurado a universidade significa que ele está interessado, entende o potencial da inovação e da parceria com a academia”.
Com base em dados do antigo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, a professora Biancca Scarpeline de Castro informa que o montante investido em ciência e tecnologia cresceu, de R$ 23,7 bilhões em 2000, para R$ 48,2 bilhões em 2015. “Apesar desses dados positivos, é possível observar uma ampla possibilidade de crescimento dos investimentos em Ciência e Tecnologia por parte das empresas nacionais. Quando se observa apenas os gastos do setor privado em pesquisa e desenvolvimento no Brasil, verifica-se que eles caíram de 0,41% do PIB, em 2014, para 0,39% do PIB em 2015”.
Como afirma o professor da UEPG, “existem muitos bons exemplos que atestam a integração com a sociedade e com o mercado. Mas, no que diz respeito à inovação, ainda há muito espaço para crescer”.
As principais dificuldades para as universidades, segundo o Panorama Tecnológico NMC 2015 para Universidades Brasileiras:
1. Individualização da aprendizagem.
2. Integrar a tecnologia da educação na faculdade.
3. o expandido.
4. Repensar os papeis dos educadores.
5. Criação de oportunidades autênticas de aprendizagem.
6. Infraestrutura dos campi com recursos insuficientes.
7. Dimensionar as inovações de ensino.
8. Gerenciar a obsolescência do conhecimento.
9. Equilibrar as vidas, conectados e desconectados.
10. Aprimorar a alfabetização digital.